segunda-feira, 28 de setembro de 2009

MATÉIRA ABCD MAIOR - 26/09/2009

26/09/2009 - TEATRO

Dramaturgo defende ELT em Sto.André

Por: Liora Mindrisz  (liora@abcdmaior.com.br)


Abreu: se a ELT perder a característica de pensamento, ela se torna uma escola comum. Foto: Luciano Vicioni
Abreu: se a ELT perder a característica de pensamento, ela se torna uma escola comum. Foto: Luciano Vicioni
Luis Alberto de Abreu recorda tempos áureos da Escola Livre de Teatro, faz críticas e avalia atual crise

O dramaturgo bernardense Luis Alberto de Abreu ajudou a construir e difundir a Escola Livre de Teatro de Santo André. Após três anos afastado, Abreu voltou para defender o projeto pedagógico original: um processo democrático e colaborativo de ensino. Abreu é autor de mais de 40 peças e roteiros. Nos palcos, ficou conhecido com as peças “Foi Bom, Meu Bem?”, de 1980, “Cala Boca já Morreu”, de 1981, e “Bella Ciao”, em 1982. Nas telonas, foi co-autor com a diretora Eliane Caffé dos roteiros de “Kenoma”, em 1998, e “Os Narradores de Javé”, de 2004. Já na TV, é responsável pelo roteiro de duas minisséries da TV Globo: “Hoje é Dia de Maria” (2005) e “A Pedra do Reino” (2006). Abreu hoje é morador de Ribeirão Pires.

ABCD MAIOR - Qual foi a sua experiência na Escola Livre?
LUIS ALBERTO DE ABREU -
Entrei na ELT no semestre seguinte da sua fundação. Trabalhei aqui durante 15 anos. No meio disso, fiquei afastado por quatro anos, quando a escola foi fechada pelo ex-prefeito Newton Brandão. Voltei para a reconstrução dela na segunda gestão do prefeito Celso Daniel.

ABCD MAIOR - O que lecionou?
ABREU -
Fundamentalmente dramaturgia, mas que ia desde dramaturgia para teatro até o projeto inédito de dramaturgia radiofônica. Além disso, eventualmente assessorava grupos de teatro, montagens; fazia preparação corporal, isso tudo dentro da escola, como mestre.

ABCD MAIOR - Você vê alguma relação da situação no governo do Brandão com a atual?
ABREU
- Não, o Brandão foi uma desmobilização, uma ausência total de diálogo, um desmantelamento da escola. Foi proposital, eles não gostavam e não queriam a escola. Desta vez, até onde eu entendo, há um interesse em manter os equipamentos em funcionamento.

ABCD MAIOR – O sr. acha que os equipamentos serão mantidos com a ideia pedagógica original?
ABREU
- Quando muda o partido, é esperado que mude também a orientação, a política cultural, se é que ela existe. Nesse momento, o que eu posso dizer é que a instituição, mais do que o equipamento, tem de permanecer. Permanecer discutindo, permanecer produzindo, permanecer viva. Gostaria de entender quais os planos que a Secretaria tem para a ELT, que é um tipo de escola que deu bons frutos e pode continuar dando.

ABCD MAIOR - E se a escola perder essa característica?
ABREU
- Se ela perder essa característica de pensamento, de envolvimento, se torna uma escola comum, como qualquer outra, assim como as milhares que existem espalhadas pelo Brasil. São escolas que não produzem, que não pensam, que não trazem nada de novo.

ABCD MAIOR - Você acredita que qualquer partido pode manter esta instituição?
ABREU
- Houve uma época que eu pensei que um ou outro partido poderiam ter uma sensibilidade maior às questões culturais, coisas que os partidos mais tradicionais nunca tinham tido. Mas o que está havendo é que atualmente, principalmente na área de cultura, não é o programa de governo do partido que determina as políticas culturais, é a sensibilidade de quem está sentado temporariamente na cadeira da Secretaria de Cultura. Porque partido algum está preocupado com a cultura, esta é a razão pela qual não estou preocupado com partido nenhum.

ABCD MAIOR - Qual o diferencial na formação desses artistas que passam por essa escola?
ABREU
- Aqui, além da formação de ator, tem uma série de cursos livres que levam à reflexão mais profunda, tanto da realidade artística como da realidade social e da inserção do artista no meio disso. As escolas são muito mais formadoras de mão de obra barata para o mercado de produção cultural. Nem questiono a qualidade destas outras escolas, mas ninguém sobrevive só sendo ator, tem de saber pensar também. Ator não é uma coisa funcional, que aprende umas técnicas e sai por aí fazendo. Formamos atores criadores, atores artistas, que consigam desde resolver questões de dramaturgia, de pensamento, que possa estender um olhar para o problema social, para o problema cultural, e daí extrair sua arte.

ABCD MAIOR - Na época da construção da ELT, qual sua recordação?
ABREU
- As recordações são, primeiro, pelo pioneirismo. Depois, a disponibilidade para o trabalho. Lembro-me que a coordenadora, Maria Thaís (Lima Santo), para inaugurar a parte do circo no Parque Jaçatuba, pegou o carrinho de areia e pedra e colocou os funcionários dela para fazer trabalho de pedreiro. Outra grata lembrança, só que anos depois, foi uma época neste prédio que não se tinha lugar para transitar porque nas salas, escadas e corredores havia atores ensaiando. Neste ano, a ELT montou 17 espetáculos.

ABCD MAIOR - E recordação do que as pessoas falavam e esperavam deste projeto novo?
ABREU
- Tínhamos muita vontade. No primeiro ano, a ELT tinha 12 alunos e ninguém botava muita fé. No último ano, antes do Brandão, havia 300 alunos e três grandes produções, que inclusive foram para São Paulo. O envolvimento, a palpitação na cidade era muito grandes.

ABCD MAIOR - Trabalhou em outra escola com esse programa pedagógico?
ABREU
- O único, que estou há dez anos, é no galpão Cine Horto, em Belo Horizonte. Não é uma escola tão formal como esta, mas é um centro de experimentação e foi criado a partir da experiência da ELT. Outros se interessaram com processo colaborativo da escola. Diadema nos consultou, Guarulhos também queria criar uma escola deste tipo. As pessoas têm interesse em saber como é a questão pedagógica e normalmente sou consultado a esse respeito. Porque a ELT é uma referência, atualmente, em didática e pedagogia de artes cênicas.

Entenda a crise na Escola Livre de Teatro de Santo André - A crise entre comunidade artística da Escola Livre de Teatro e administração pública de Santo André começou após a demissão do coordenador pedagógico da ELT, Edgar Castro, na terça-feira (08/09), escolhido democraticamente por membros da instituição. Na sexta-feira (11/09), mestres e aprendizes organizaram um ato público para a entrega de uma carta que reivindica a volta do coordenador e o afastamento da coordenadora administrativa, Eliana Gonçalves, indicada pela Secretaria de Cultura, alegando que ela impede o processo democrático da Escola. O ato contou com a presença de atores como Maria Alice Vergueiro, Antonio Petrin e Leona Cavalli.

Na quinta-feira (17/09), após visita na Câmara Municipal, vereadores criaram Comissão de Assuntos Relevantes para debater os impasses com os integrantes da ELT. Nesta semana, aconteceu de segunda (21/09) a sexta (25/09), a Mostra Ocupação “ELT em Alerta”,com a participação de cerca de 30 grupos e artistas da Região e outros centros, que se apresentaram no Teatro Conchita de Moraes (sede da Escola) em prol da preservação do projeto. Uma das atividades contou com uma mesa de debate sobre o projeto pedagógico da ELT com a participação de dois ex-mestres e pioneiros na construção da Escola, o diretor de teatro Chiquinho Medeiros e o dramaturgo Luís Alberto Abreu.
Durante estas mais de duas semanas, diversos artistas nacionais divulgaram apoio à ELT, como o jornalista Marcelo Tas e o grupo musical Teatro Mágico. A comunidade publicou em um site as notas recebidas, que até agora totalizam 59. O apoio pode ser conferido no
http://apoioelt.blogspot.com.  A assessoria de imprensa da Prefeitura disse ao ABCD MAIOR que não falará sobre o caso da ELT.

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