ESCOLA LIVRE DE TEATRO DE SANTO ANDRÉ
Acho que eu li num livro ou vi na televisão que não é que a gente engorde, a gente acumula gordura. Melhor entendido: o corpo tem nele a memória do terror das noites das cavernas quando a sobrevivência roncava no estômago, então armazena gordura por ansiedade e medo de outras eras. A vida está em perigo e a fome que não cessa, é o seu sinal mais aparente.
Tenho a mesma sensação de medo desconhecido nessas horas tranqüilas, hospedado em um hotel cinco estrelas, numa situação fruto da gentileza dos deuses do patrocínio para com os atores. Algum perigo me ronda, e aumenta quando vejo esses miseráveis que do nada aparecem na porta do hotel cinco estrelas, com sua miséria repugnante, sacos plásticos pretos, barbudos, babados e sujos, que os seguranças com a sua brutalidade autorizada, espantam, chispando pra longe da vista. Não tem uma vez que não me corra na alma o arrepio da possibilidade dos seguranças se virarem contra mim, me descobrirem aqui e me mandarem pra fora escorraçado como um penetra sem lenço e sem documento.
É o medo ancestral, sinal da fome de sentimentos de paz, compreensão, felicidade, alegria, porque os Impérios de Terror e Miséria estão a postos para o ataque. Como acontece nos jardins da ESCOLA LIVRE DE TEATRO DE SANTO ANDRÉ.
A escola é um projeto de grande felicidade artística nacional e internacional, que está para completar vinte anos e no momento ameaçado de ser desmanchado.
Já dava pra imaginar que viriam mudanças depois da última eleição. A política dos que estão ou não no poder, que é a que tem regido a vida cívica brasileira, faz mais estragos na continuidade das boas coisas que a razão desconhece ou suportaria.
E é esse o estrago que se anuncia no ato de demitirem sumariamente o Edgar Castro, coordenador eleito em voto livre por todos os que fazem a Escola Livre, professores, alunos e funcionários, continuidade de um processo que joga fora, que despreza, tudo o que foi construído para que a escola seja o que ela é hoje. O Edgar foi mandado embora e proibido de entrar na escola. Isso mesmo: proibido de entrar na escola.
Proibido! Essa palavra ferve o meu sangue e dá nó na minha garganta. Socorro Lucia Gayotto! Minha querida mãe de santo, bruxa da voz como dizia o Zé Celso. Socorro! Perdi a eloqüência, não tenho a língua molhada pela fala sagrada que age, que faz nascer a ação no teatro e que deseja mudar o mundo. Estou mudo sem saber como por pra fora essa fala que afeta, com a ação que você tanto trabalha.
Esses ataques de soberba aviltante são herdeiros dos momentos mais ferozes da ditadura militar, que através do terror da tortura, marcaram a ferro e brasa a nossa memória cívica. Se manifestam e amedrontam porque são portadores daquela brutalidade covarde que espantou para os lugares proibidos da memória um dos momentos mais potentes da vida brasileira, e estão no cerne de tudo que vivemos hoje.
E é mais uma vez o teatro, que nesta aparentemente desprezível atitude da administração de uma das mais importantes cidades do Brasil, que está sendo escorraçado das portas da cidade.
Não sei exatamente porque mas me veio à memória que outro dia lá no Conchita de Morais, o teatro da escola, numa montagem do último ano, Woyzek estava matando a facadas o seu amor, empurrado pelos que se dizem guardiões da decência e da honestidade.
O teatro é mais excitante que o crime. Viva o amor.
Viva a escola livre do teatro.
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